Há tempos remamos contra a maré, mas sempre sob os ventos da esperança. O magistral Castro Alves registrou: "São mulheres desgraçadas, como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, de longe... bem longe, vêm...", aqui aportaram, iniciando uma trajetória de realizações, numa corrida de revezamento, passando o bastão em busca do pódio maior. A bem da verdade, notificamos que a rainha Nzinga de Matamba resistiu e recusara a embarcar nesta canoa furada.
Mulheres negras, com a carga nutritiva de amas-de-leite a serviço de sugadores pálidos, mulheres amas-secas, prestes a outros serviços. Os jornais anunciavam: "Aluga-se uma ama-seca com muito e bom leite, sem filhos; nº 144" ou "Vende-se uma escrava moça, superior ama-de-leite, sadia, de bons costumes (sic), engoma e cozinha perfeitamente. Rua 16 de julho nº 17 - Casa Vermelha nº 70". É o que testemunha a foto de uma mulher chamada "Monica ama-de-leite de Artur Gomes Leal", no livro Mulheres Negras do Brasil, de Shuma Schumaher e Erico Brazil.
Com tabuleiros à cabeça, mulheres negras foram quitandeiras, vendedeiras ou ganhadeiras. Quando cativas, representavam a fonte de renda de muitos senhores e senhoras. Luiza Mahin fora quitandeira e co-responsável pela revolta dos malês, fornecia comida e se articulava com as lideranças do levante. Pagavam taxas à Câmara Municipal, e havia fiscalização que checava pesos e medidas. Mulheres mocambeiras estabeleciam estratégias contra a escravatura, como Francisca e Mendecha Ferreira, irmãs; Conceição das Criolas, Zacimba Gambá, Mariana Crioula e Zeferina, guerreiras que não me deixam mentir, e Maria Felipa na luta pela Independência.
Solidária, em 1814, na Cidade da Bahia, a cativa de nome Francisca junto ao seu companheiro Francisco Cidade, líder de um movimento, também cativo, coletavam dinheiro para um motim libertário. As primeiras contas poupanças foram abertas por ganhadeiras e cativas em pleno século XIX. Testemunha esta iniciativa a liberta Felipa, que fez uma poupança para a sua filha Felismina, de 2 anos de idade, para um melhor futuro. Do ponto de vista religioso, as lideranças femininas são inúmeras, firmaram para a posteridade o gesto negro de cultuar, onde a estrutura religiosa do candomblé, que agora desfrutamos, afirmam os historiadores, deve-se à ação de Iya Nassô. A Boa Morte, venerável irmandade, arregimentara escravizadas e forras, com o objetivo de comprar carta de alforria para a libertação dos seus filhos, maridos, netos e agregados, ou até mesmo ajudá-los nas fugas, encaminhando para o Quilombo do Malaquias, em Terra Vermelha, Cachoeira.
Mulheres da tradição de partejar ou portadoras de dons curativos, ou as que "quebram quebrantos" serviam e servem a muitos. Mulheres negras, magas das máquinas de costura, com estilo, embelezam os corpos de muitas outras, inclusive as não-negras. Mulheres negras lavando a sujeira das roupas da clientela, alvejando-as, na esperança de limpar também as mazelas da nossa sociedade. Enfermeiras negras - Isabel Novais Feitosa e Nair Paulo Melo "a serviço da FEB" - juntam-se à reitora Ivete Sacramento, cap. PM Denice, Mariaugusta Rocha; as jornalistas Cleidiana Ramos, Meire Oliveira, Wanda Chase, Georgina Maynart; a Nair Nascimento, presidente em época remota do Conselho Nacional de Mulheres Negras, vinculado ao Teatro Experimental do Negro - TEN); Almerinda Farias Gama, primeira e única mulher representante classista a votar na Assembléia Constituinte de 1933; Maria Brandão, liderança popular baiana, militante comunista, Ebomi Cidália e outras. E, "la nave va", vitoriosa, segue ampliando a nobre tripulação.
Na corrida de revezamento, o bastão é o diploma, o porto é o pódio da nova vencedora. Sheila Regina dos Santos Pereira integra a corrente do sucesso e recomenda continuidade. Ganhadora do Prêmio Jovem Cientista 2008, na categoria graduada, orgulha a todos os baianos indistintamente, na temática Educação para Reduzir as Desigualdades Sociais, com a sua pesquisa Oguntec: uma experiência de ação afirmativa no fomento à iniciação científica através da educação. Brilhou uma nova timoneira. Parabéns ao Instituto Steve Biko. Milhas vencedoras a percorrer, e Castro Alves prepara uma nova versão poética.
Fonte: A Tarde On Line
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