Mesmo já tendo visto aquele cenário, o colorido das fitas dançando ao soprar do vento encantou as turistas. "Não é lindo?", dizia entusiasmada Ariana. De acordo com o vendedor de fitinhas do Senhor do Bonfim, Reginaldo Santos, se o fiel amarrar a fita com três nós na grade da igreja terá três pedidos realizados.
Outra forma de atrair boas energias é tomar um banho de folha de Oxum com o pai-de-santo Haroldo Santos, que passa o dia na Colina oferecendo seus serviços para as pessoas. "Oxum traz prosperidade e paz", garante o rapaz, que também sonha com dias melhores. "O movimento está grande, mas a expectativa é que melhore até quinta", diz. Outro pai-de-santo brinca "falta eles soltarem o dinheiro, o zimbo". Cada banho custa entre R$5 e R$10.
Enquanto, do lado de fora da igreja, eram oferecidos banhos de folha, na área interna do templo, o padre distribuía bênçãos. Filas de turistas se formam em uma das salas da Basílica em busca de água benta.
Católicos e umbandistas
Na Bahia, na segunda quinta-feira depois do Dia de Reis, duas religiões que sempre viveram às turras se unem para um ritual religioso em comum – a lavagem da escada da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, no bairro Bonfim, em Salvador.
Nesse dia, católicos e umbandistas percorrem juntos 8 km de ruas baianas, cantando hinos de adoração às duas principais divindades de cada crença, Nosso Senhor Jesus Cristo e Oxalá, configurando um dos maiores exemplos brasileiros do fenômeno de fusão de religiões conhecido como sincretismo.
O mais curioso da festa é que o centro do ritual, a escada, tem apenas 10 degraus, em torno dos quais cerca de 1 milhão de pessoas se reúne anualmente.
A festa tem origem na época da escravatura, quando portugueses e escravos, juntos, preparavam a capela para a festa de encerramento da novena de devoção ao Nosso Senhor do Bonfim. Na quinta-feira anterior à festa de encerramento, os senhores portugueses faziam seus escravos prepararem o templo juntamente com os fiéis, limpando e enfeitando a igreja por dentro e por fora.
Vindos da África, os escravos eram obrigados a aderir ao catolicismo, a despeito de sua crença de origem. Para manter suas tradições religiosas, eles faziam associações entre divindades cristãs e entidades do candomblé. Assim, a preparação da igreja foi transformada em ato de louvor à principal entidade do candomblé: Oxalá, o orixá associado ao Nosso Senhor do Bonfim.
Festa profana
Até o fim dos anos 1950, a tradição tinha uma característica popular, e a igreja era efetivamente lavada pelos participantes. A partir da década de 60, quando a Bahia se transformou em pólo turístico e o ritual começou a reunir multidões, por razões de segurança, a lavagem passou a ser simbólica e a acontecer apenas do lado de fora da igreja, que mantém suas portas fechadas no dia, deixando acessível apenas a escada de acesso.
Além dos fiéis, participam bandas, grupos de manifestação folclórica, turistas e curiosos. Muitos se vestem de branco para a ocasião, que é a cor de Oxalá. Mulheres trajadas de baianas, com vestidos brancos, turbantes e braceletes, lideram o cortejo, que sai da Igreja da Conceição da Praia, no bairro Dois de Julho em Salvador (BA), por volta das 10 horas da manhã, após o término de uma missa. Elas seguem carregando vasos com a água perfumada que é derramada nos degraus da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim.
Apesar do clima de confraternização, o cientista religioso Afonso Soares, da Pós-Graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), explica que este tipo de equilíbrio entre as duas crenças não é fácil, pois existem atritos entre as religiões cristãs e as afro-brasileiras. Existem, inclusive, movimentos no sentido contrário ao sincretismo, que visam separar o candomblé do catolicismo.
A razão para tal tolerância na lavagem das escadas é que o evento é considerado mais uma festa profana com forte apelo turístico que um rito religioso, segundo a Prefeitura de Salvador. E é o segundo maior da cidade, perdendo apenas para o Carnaval.
Fonte: A Tarde