Claudio Leal
Numa jornada pacífica, os terreiros de Candomblé baianos mobilizam filhos-de-santo, intelectuais e simpatizantes contra o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro (PMDB). Evangélico praticante, o candidato à sucessão municipal é acusado de "intolerância religiosa".
O conflito com o mundo dos orixás nasceu pelo correio. E foi fermentado pela recente demolição do terreiro Oyá Onipó Neto, na avenida Jorge Amado - templo reconstruído depois de o prefeito reconhecer um "equívoco".
Ao correio. A Prefeitura cobrou IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) do terreiro ketu mais antigo do País, fundado há mais de três séculos e tombado pelo Patrimônio Histórico: a Casa Branca, Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Os terreiros da Bahia estão divididos em quatro principais grupos/nações: ketu, angola, jeje e ijexá.
Pela Constituição, templos religiosos têm imunidade tributária. Ao abrirem o carnê, as sacerdotizas se chocaram com o valor da cobrança, por volta de R$ 840 mil. Principal contradição: na década de 80, a Prefeitura transformou a Casa Branca em Área de Preservação Cultural e Paisagística.
O tombamento de terreiros pretende protegê-los da especulação imobiliária, intensificada em Salvador com a aprovação apressada do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), que atende a pressões de empreiteiras e vai remodelar a paisagem urbana da primeira capital brasileira.
A assessoria da Prefeitura enfatiza que não há nenhum sinal de intolerância religiosa; faltaria "organização" aos terreiros para reivindicar a garantia constitucional. A religião do prefeito estaria sendo utilizada "politicamente", no quadro sucessório. Em artigo enviado a Terra Magazine, João Henrique lista suas gestões em favor dos cultos de origem africana. Nega o que as ruas da Cidade da Bahia vêem correr no boca-a-boca.
Em entrevista, a Ekedy Sinha afirma que não há como descartar a discriminação religiosa. Advogados do terreiro levaram o caso ao Ministério Público. Filhos-de-santo iniciaram, pela internet, uma mobilização contra a Prefeitura de Salvador. Há movimentos oficiais para declarar a isenção fiscal, antes de maiores estragos políticos.
- A gente sabe que não é pra pagar nada, nem vamos pedir a ele pra não pagar. A gente não vai pagar! (...) Eles precisam saber que nós da Casa Branca, como toda entidade religiosa, seja de ketu, umbanda, ijexá, somos fortes como uma rocha - invoca a Ekedy Sinha ("ekedy" é um cargo honorífico; cuida dos afazeres femininos no Candomblé).
Na tradicional Lavagem do Bonfim, uma festa profana com toques de candomblé e catolicismo, o prefeito de Salvador dá meia volta na hora de subir a Colina Sagrada. Não é por falta de fôlego. Evangélico, João Henrique pregou salmos em sua sala de reuniões e evita desagradar a pastores. Na fusão de crenças, nesta campanha ele tem um vice ogã do Gantois, Edvaldo Brito.
O povo-de-santo promete fazer jus à firmeza da rocha. Envia e-mails de protesto contra a Prefeitura e promete convocar os orixás na peleja pelo respeito à liberdade de culto.
Leia a entrevista com a Ekedy Sinha, da Casa Branca.
Terra Magazine - O Terreiro da Casa Branca já pagou IPTU?
Ekedy Sinha
Não. A gente recebe sempre o carnê do IPTU. Várias vezes recebemos um carnezinho para uma pessoa que faleceu há mais de 80 anos. Sempre a mesma coisa. Vem o carnê, a gente manda dizer que tem isenção... É difícil, viu?
De quanto é a cobrança?
Agora eles falaram que já tem uma dívida de R$ 800 mil (risos).
O que explica a posição da Prefeitura?
Não queria entrar nessa coisa de intolerância religiosa, mas a gente não tem outra alternativa, não tem outra forma de pensar, a não ser isso. Não é possível. Um monumento histórico, tombado, a Prefeitura desapropriou a praça, tem decreto, tem lei... Foi tombado...
É o primeiro terreiro do País?
É a primeira casa de candomblé do Brasil. Pelo menos isso está na história. Se tiver outra, a que está na história é a nossa. Foi tombado em 1989. Na época, o governador era Waldir Pires.
Como está a mobilização contra a cobrança da Prefeitura?
Ah, sim. Juridicamente já está no Ministério Público, já temos um advogado que cuida disso. E tem a comunidade, os simpatizantes, os amigos da casa, que estão fazendo um movimento popular. Todo o mundo está querendo ajudar. É encher a caixa de e-mail do prefeito, fazer abaixo-assinado. O que eles não sabem é que a gente também tem força, né? E isso tem que ser respeitado. Nós temos nossos deveres e também sabemos lutar por nossos direitos.
Isso provoca a indignação do povo-de-santo?
Ah, com certeza. Tem horas, me desculpe, que a gente começa a falar e fica aborrecido. Porque é injusto, é injusto o que está sendo feito. Não é só contra a nossa Casa. É contra nossa religião. Um terreiro de candomblé já foi invadido e demolido. No nosso, ele (o prefeito) jamais teria essa audácia de fazer isso, porque é um patrimônio, a primeira casa de candomblé do Brasil, mas está causando problemas de saúde para as velhinhas da Casa. Elas ficam achando que a gente tem que pagar isso. A gente sabe que não é pra pagar nada, nem vamos pedir a ele pra não pagar. A gente não vai pagar! É isso que ele tem que entender. Eles precisam saber que nós da Casa Branca, como toda entidade religiosa, seja de ketu, umbanda, ijexá, somos fortes como uma rocha (risos).
Fonte: Terra Magazine
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