Quando fundou a Igreja Universal do Reino de Deus, em 1976, Edir Macedo criou, também, o que hoje classificamos como "neopentecostalismo" (a expressão foi usada, pela primeira vez, que eu saiba, por Ricardo Mariano, referindo-se à Universal e ao elenco de igrejas que seguiram seu modelo, como a Internacional da Graça e a Renascer em Cristo). Mas o que é mesmo o neopentecostalismo - esta forma religiosa que vem avançando, de modo agressivo e exitoso, contra o catolicismo, o espiritismo kardecista, a umbanda e o candomblé?
Um de seus traços distintivos é certamente o caráter empresarial. Muito mais do que como uma igreja, as correntes neopentecostais se organizam como empresas. Em As Figuras do Sagrado: Entre o Público e o Privado, Maria Lúcia Montes observou que mesmo o próprio recrutamento do clero da Universal segue o modelo do "franchising" - "os pastores ′adquirem′ seus postos mediante contrato com a igreja, com cláusulas bem definidas de obrigações e direitos, e cuja rescisão pode até mesmo dar lugar a processos trabalhistas".
O que temos, então, é a empresa neopentecostal atuando com desenvoltura no mercado de bens religiosos. E aqui chegamos a um outro traço distintivo dessas igrejas: além da investida empresarial no mercado de bens simbólicos de tipo religioso, o neopentecostalismo é midiático. O que se constituiu, no panorama religioso brasileiro, do final da década de 1970 para cá, foi uma igreja empresarial-eletrônica. Que sabe jogar - e joga - pesado, seduzindo e conquistando adeptos a cada dia, numa progressão espantosa.
O neopentecostalismo aparece, assim, como um protestantismo de massas, protestantismo populista, montado no uso intensivo e extensivo dos mais poderosos meios de comunicação. Com força impressionante, claro - que é preciso ter muita força, disposição e coragem para atacar, no Brasil, o catolicismo, o espiritismo, o umbandismo e o candomblé. E os neopentecostais, até aqui, estão ganhando a guerra. Basta ver a surra que o umbandismo vai levando no Rio de Janeiro - que já chegou a ter, aliás, duas governadoras evangélicas, uma branca e uma negra: Rosinha Garotinho e Benedita da Silva.
A Igreja Católica, que também vinha perdendo feio - especialmente, quando se pedestrianizou com a "teologia da libertação", o fim da missa em latim, etc. -, parece que realmente aprendeu. E resolveu entrar armada na disputa. Para isso, adotou as armas do neopentecostalismo. Vale dizer, acionando a seu favor marketing e mídia. É verdade: os católicos possuem hoje, no Brasil, nada menos do que 13 emissoras de televisão, dez gravadoras, 40 editoras e 97 rádios. É um contingente respeitável, nada insignificante.
"Devemos copiar aquilo que deu certo na forma com que os evangélicos utilizam a grande mídia", declara monsenhor Jonas Abib, o fundador da Canção Nova, o grande centro da comunicação católica no Brasil. As coisas começaram há um tempo. Mas a grande virada veio mesmo com o padre Marcelo Rossi, que, no final da década de 1990, se converteu num dos maiores fenômenos midiáticos do país, cantando em tudo quanto é lugar, de programas de tevê a trios elétricos. Padre Marcelo celebra missa na televisão, tem um programa na Rádio Globo, faz filmes e já vendeu milhões de cedês. Dez anos depois, ele diz que tem - e muito - o que comemorar. E se vangloria de ser um dos grandes responsáveis pelo aumento da freqüência de católicos à igreja.
Os terreiros de candomblé não têm cacife para entrar numa competição desse tipo. De cara, não têm grana. Mesmo porque os terreiros não formam uma igreja, como a dos católicos. Individualmente, cada terreiro é pobre. E acho que não passa, pela cabeça de ninguém, transmitir ao vivo, via tevê, um xirê, uma festa de orixá. Ao mesmo tempo, nunca o candomblé foi tão prestigiado, no Brasil, quanto nos últimos 20 anos. Templos são tombados, editoras lançam livros e livros sobre candomblé, políticos, empresários e estrelas da cultura de massa fazem a cabeça, viram filhos-de-santo ou, no mínimo, freqüentam terreiros. Será que, em troca do próprio bem que o terreiro faz, essas pessoas - que têm dinheiro, prestígio e poder - não poderiam, igualmente, fazer um bem ao candomblé? Não dá para dar uma forcinha?
Fonte: Jornal A Tarde Online
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