Claudio Leal
Os embaraços da Prefeitura de Salvador com os terreiros de candomblé caminham para uma conciliação. As secretarias da Reparação e da Fazenda realizaram vistorias técnicas em terreiros da capital baiana e prometem oferecer "orientação jurídica" para a concessão de imunidade tributária. Pela Constituição Federal, templos religiosos não podem ser alvos de impostos.
O prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) enfrenta protestos do povo-de-santo por ter enviado uma cobrança de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ao Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Cifra elevada: R$ 840 mil. Sacerdotizas idosas se assombraram com a "dívida".
Tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o templo foi reconhecido como Área de Preservação Cultural e Paisagística pela própria Prefeitura, em 1982. Um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer serviu de base para a restauração da Praça de Oxum.
- Recebemos essa notícia, mas aguardamos uma reunião de nossa advogada com os órgãos municipais, para ter essa posição oficializada - diz Ekedy Sinha, ao avaliar o recuo da Prefeitura. Membro da Casa Branca, a "ekedy" - um cargo honorífico, responsável pelos afazeres femininos - é uma das lideranças da resistência à cobrança.
Terreiros de Candomblé vêem indícios de intolerância religiosa na gestão de João Henrique. Evangélico praticante, com larga circulação entre pastores, o prefeito contesta as críticas e afirma que trabalhou para "reparar a dívida histórica da sociedade em relação aos afrodescentestes".
Segundo recente mapeamento, Salvador possui 1.139 terreiros. A Casa Branca foi o primeiro da nação Ketu no Brasil. Os choques do povo-de-santo com a Prefeitura se intensificaram após a demolição do Terreiro Oyá Onipó Neto, na avenida Jorge Amado. A partir de um pedido oficial de desculpas, a estrutura física passou por restauração. Mas o gesto inamistoso envenenou de vez um diálogo precário. Com a cobrança do IPTU, intelectuais e filhos-de-santo se mobilizaram para denunciar uma perseguição ao Candomblé.
- Atualmente, a Procuradoria da Fazenda do Município requereu a suspensão da execução fiscal contra a Casa Branca, pois em 20 de junho de 2008, a Casa Branca entrou com o processo 35057/2008, solicitando o reconhecimento da imunidade tributária - informa a advogada e subsecretária da Reparação de Salvador, Maria Alice Pereira da Silva.
A Prefeitura sustenta que a "imunidade fiscal não é concedida ex-ofício". Para obtê-la, o terreiro precisa entrar com um processo formal. O caso foi levado ao Ministério Público. No sábado, 9 de agosto, às 10h, intelectuais, simpatizantes e seguidores do Candomblé se reúnem em solidariedade à Casa Branca. Igrejas neopentecostais também atacam os filhos-de-santo da Bahia.
"Patrimônio do Brasil"
O antropólogo Ordep Serra enviou, especialmente para Terra Magazine, um artigo sobre a história do Terreiro da Casa Branca, "o primeiro templo religioso não católico a ser tombado como patrimônio histórico do Brasil".
- O prestígio do templo da Casa Branca do Engenho Velho não se circunscreve a Salvador nem ao mundo do Candomblé. Este Terreiro já foi visitado por um Presidente da República (Juscelino Kubitschek), por um Prêmio Nobel (Wole Soynka), por ministros e secretários de Estado, por religiosos de diferentes credos e de diversas partes do mundo - diz o antropólogo e ogã da Casa Branca.
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