Um projeto de lei que beneficia as religiões de matriz africana de Salvador, promovendo a regularização fundiária dos terreiros de candomblé na cidade, está parado há um ano. A proposta beneficiaria aproximadamente 480 espaços sagrados, e teria sido enviado pelo Poder Executivo municipal à Câmara de Vereadores em abril do ano passado. Desde então, contudo, não há registro de tramitação nem comprovação que, de fato, a peça chegou a ser protocolada na Casa, segundo o vereador Gilmar Santiago (PT), para quem o projeto está “desaparecido”.
O projeto, de emenda à Lei Orgânica do Município previa, a alteração da redação do Art. 14, o que viabilizaria a regularização fundiária dos espaços de cultos religiosos de matrizes africanas. “No dia 6 de abril do ano passado saiu matéria na capa do Diário Oficial do Município anunciando o envio do projeto. Mas, não há registro na Câmara. Não consigo localizar o projeto lá. Isso é muito estranho”, instiga o vereador Santiago, hoje na oposição, mas que, à época, era secretário de Governo da gestão de João Henrique.
“É preciso apurar se não foi mandado, o que acho difícil, porque foi anunciado. Ou se sumiu depois que entrou na Câmara”, sugere Santiago, que promete cobrar uma solução para o caso. Titular da Secretaria da Reparação (Semur), Maria Alice da Silva, e a assessoria do prefeito João Henrique foram procurados na sexta-feira pela reportagem. Após oito horas, o assessor informou que o número do protocolo não foi localizado. Os assessores voltaram a ser procurados por telefone ontem, mas os celulares estavam desativados.
O presidente da Câmara Municipal, Alan Sanches, disse desconhecer o destino do projeto e, mesmo sem saber se de fato foi dada a entrada na Casa Legislativa, concorda que é preciso haver mais rigor nesse controle. "Até junho vamos implantar o protocolo eletrônico, que permitirá que os eleitores acompanhem pela internet o andamento dos projetos", antecipa o vereador, que ocupa a presidência há pouco mais de dois meses.
ONIPÓ NETO – E a polêmica não para por aí. Outro projeto, para regularizar a situação do Terreiro Oyá Onipó Neto (Av. Jorge Amado), que foi destruído numa desastrada ação da prefeitura, em fevereiro do ano passado, está com a tramitação parada e recebeu parecer negativo da Comissão de Constituição e Justiça. demolição do templo religioso e de objetos de culto teve grande repercussão na mídia e acendeu polêmica sobre intolerância religiosa no Executivo municipal. Após muitos atritos, os ânimos foram apaziguados num gesto público do prefeito João Henrique, que, na presença de vários representantes do candomblé e da imprensa, anunciou o envio dos dois projetos para a Câmara com pedidos de tramitação em regime de urgência.
A despeito de boatos que circularam de que a responsável pelo terreiro, Rosalice do Amor Divino, Mãe Rosa, havia recebido indenização pela derrubada, ela garante ainda não ter sido ressarcida pelos prejuízos materiais. “Só reconstruíram a casa. As imagens e objetos de culto quebrados nunca foram repostos”, lamenta a religiosa.
Ela, contudo, não perde as esperanças. “O prefeito nos deve isso, porque é nosso patrimônio cultural, nossa cultura, nossa raiz. É ter paciência para esperar”, desabafa Mãe Rosa, que afirma ter ido, há duas semanas, à Semur na tentativa de viabilizar uma audiência com o prefeito.
Ela tem apoio dos religiosos de matriz africana, que estiveram reunidos, semana passada, na II Conferência da Igualdade Racial do Município. “O prefeito não tem o menor respeito pelo povo-de-santo. Foi tudo um jogo-de-cena para apaziguar o desgaste após o ato de intolerância religiosa. Até hoje não houve qualquer avanço”, alfineta Marcos Rezende, coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (Conbrasil) e ogã do Terreiro Ilê Axé Oxumaré. No evento, observa ele, foi criada uma Comissão de Religiões de Matriz Africana, com o objetivo de acompanhar a tramitação dos dois projetos.
Fonte: http://www.atarde.com.br