RIO - A demonização de figuras do candomblé, especialmente de Exu, já se tornou um traço marcante da sociedade brasileira. Essa idéia foi construída desde a chegada do colonizador português à África. Veja a terceira parte da entrevista com o pesquisador Reginaldo Prandi:
Por que a figura de Exu foi demonizada no Brasil?
A demonização começa na África com a chegadas dos europeus. O exu já na África sofre grande sincretismo. Como é o orixá mensageiro do panteão foi sincretizado com outra entidade Elegbara, o mensageiro do panteão dos povos fon, que deram origem ao Jeje brasileiro. Elegbara é o deus com funções de reprodução. Logo, seu culto tem imagens fálico, falos eretos. Todas as religiões panteístas têm divindades importantes ligadas à reprodução humana e à fertilidade do solo, a fartura dos alimentos. Essas funções de Elegbara foram passadas para Exu.
E quando começa a associação de Exu ao diabo católico?
Quando chegaram os primeiros colonizadores europeus aos territórios africanos, se depararam com o culto de orixás e voduns (divindades fons). Esses missionários cristãos tinham objetivos de "cristianizar o mundo selvagem". Quando viram altares de forma fálica, atribuíram a algo demoníaco. O catolicismo é uma religião que aboliu a sexualidade do horizonte humano, de profunda repressão. Exu recebeu a pecha de diabo e não se livrou.
Qual a característica de Exu no candomblé?
No candomblé, não há idéia de bem e mal como coisa inconciliável. Quem faz essa oposição é o mundo cristão. Para o afro, o bem e mal são faces da mesma moeda e estão presentes em todas as coisas. O Exu deve ser pago pelo seu trabalho como todo deus mensageiro em qualquer tradição religiosa. Quando qualquer orixá é evocado, antes se evoca Exu, porque sem ele não há a comunicação com as divindades. ele antes em qualquer lugar, se exu não participa não há comunicação.
Existiam outros deuses com essa função em outras culturas?
Lar, palavra que hoje significa domicílio, casa, é um antigo deus cultuado por povos da peninsula itálica. As pessoas tinham em casa altares com falos eretos. Eram tratados com profundo respeito porque a reprodução e a sexualidade são consideradas fontes da vida. Esse deus que protegia, presidia a sexualidade que permitia a reprodução e o fluxo de alimentos através da fertilidade da terra é responsável pela sobrevivência humana.
Há outros aspectos demonizados em Exu?
Para o mundo católico, Exu trabalhar por dinheiro é uma coisa horrível e própria do mal. O sincretismo foi juntando características entre os santos cristãos e os deuses afro. Iemanjá, a grande mãe por excelência, foi associada a Nossa Senhora. Oxalá a Jesus Cristo. E sucessivamente. Faltava um diabo entre os orixás e o candidato por excelência foi Exu.
Outras culturas que receberam povos afro procederam assim?
Em Cuba, o Exu é chamado de Eleguá, vem de Elegbara, e foi sincretizado com o Menino Jesus. Um sincretismo completamente oposto. Tanto que em Cuba muita gente é filha de Eleguá, enquanto no Brasil é raro ter filho de Exu. As pessoas morrem de medo de Exu. Muita gente que é filha de Ogum, na verdade, é filha de Exu. Em Cuba, a função da sexualidade é atribuída a Xangô que tem símbolos fálicos, como o taco de baseball. Xangô quando dança, fica com o taco nas pernas como se fosse falo ereto.
E a figura da pombagira?
A mentalidade católica acredita que a mulher é a grande pecadora, a fonte de pecado desde Eva. Tinha que associar um pouco a figura feminina a Exu. A pombagira acabou sendo a representação mais explícita da sexualidade proibida, perigosa e ao mesmo tempo muito desejada por todos. É uma grande construção cultural e ponto de conflito e perseguição na oposição das religiões evangélicas. São sempre figuras de bordel, associadas a vida desregrada.
Fonte: http://extra.globo.com