Ana Cristina Pereira / Redação CORREIO | Fotos: Divulgação/José Medeiros
Foi uma verdadeira aventura. Em 1951, o repórter ArlindoSilva e o fotógrafo José Medeiros foram escalados para vir a Salvador realizar uma tarefa que, mesmo nos dias de hoje, não seria das mais fáceis: fotografar a iniciação das filhas-de-santo no candomblé. O objetivo era produzir uma reportagem especial para a revista O Cruzeiro, à época a publicação de maior prestígio do país. Com uma tiragem de 330 mil exemplares, a revista causou grande repercussão.
Aqui na Bahia, caiu como uma bomba, sobretudo entre adeptos e estudiosos do candomblé, insatisfeitos com o tom sensacionalista da matéria, batizada As noivas dos deuses sanguinários.“Lembro que foi uma reportagem muito agressiva, em todos os sentidos”, afirma o antropólogo baiano Ordep Serra.
Na ocasião, o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger, que tinha chegado à Bahia havia três anos e iniciava suas pesquisas na cidade, se manifestou temeroso de que o trabalho reforçasse o preconceito que a religião afro sofria na sociedade. Seu conterrâneo, o sociólogo Roger Bastide, outro estudioso das religiõesafro-brasileiras, também engrossou as críticas, mas eximiu o fotógrafo da responsabilidade.
Os dois estudiosos haviam acompanhado a repercussão negativa da reportagem Lées possédées de Bahia (As possuídas da Bahia) publicada no mesmo ano na França na revista Paris Match. A preocupação fazia todo sentido. Não haviamuitos anos, o candomblé era visto como caso de polícia e os templos, para funcionar, tinham de pedir autorização especial. Mesmo com as críticas, o ensaio fotográfico de José Medeiros (1921-1990) foi bastante elogiado, sobretudo pelo ineditismo do registro e pelo impacto das 38 imagens, que mostravam sacrifício de animais e outros detalhes da cerimônia.
Medeiros continuou o trabalho e, em 1957, lançou o livro Candomblé, ampliando para 52 o número de fotografias. Desta vez,cuidou ele mesmo do texto. É justamente este livro que o Instituto Moreira Salles traz de volta às livrarias. A publicação inclui todas as imagens, além das imagens sem corte, captadas diretamente dos negativos, um conjunto de outras 13 fotografiasde Medeiros sobre candomblé e a reprodução, em tamanho menor, das páginas da publicação original.
O livro também traz os textos explicativos de Medeiros, que são bastante objetivos - evitando maiores polêmicas -, acrescidos de notas adicionais do antropólogo Wagner Gonçalves da Silva (USP). “Há alguns anos, tive a oportunidade de fotografar os rituais secretos de iniciação das filhas-de-santo, o que se fez pela primeira vez na história da imprensa brasileira”, anotou Medeiros na primeira edição do trabalho.
Reedição
Mais de cinco décadas depois do lançamento, as fotos de Medeiros conservam a primazia de ter chegado tão próximo nas cerimônias do candomblé. “Este é um importante episódio da fotografia brasileira, por isso resolvemos republicar o trabalho. Na nossa avaliação, neste momento, as fotos, de grande valor antropológico, não prejudicam mais a religião”, afirma Rodrigo Lacerda, responsável pela edição do material. No texto que introduz a obra, Lacerda conta detalhes da produção da reportagem, realizada no Terreiro de Oxóssi, que ficava localizado no subúrbio ferroviário, próximo ao bairro de Plataforma.
A intermediação foi feita por um motorista de táxi de nome Sessenta, que conhecia um pequeno terreiro, no qual três jovens estavam reclusas, preparando-se para o grande dia em que receberiam seus santos, pelas mãos de mãe Riso de Plataforma. “Os jornalistas pagaram pelo direito de assistir e documentar a cerimônia de iniciação, em troca de fornecer ao terreiro osmeios para adquirir os animais a seremsacrificados e os demais elementos necessários ao ritual”, anota.
Como muitos temiam, a repercussão do trabalho acabou atingindo a parte mais fraca. A Federação dos Cultos Afro-Brasileiros impôs sanções a mãe Riso. Além de denunciá-la à polícia, também não reconheceu a iniciação das jovens que participaram do ritual.
Registro de cenas brasileiras
Natural do Piauí, o fotógrafo José Medeiros mudou-se para o Rio de Janeiro em 1939. No ano seguinte, já integrava a equipe da revista O Cruzeiro, importante veículo de renovação do jornalismo brasileiro. Ele atuou por 15 anos na publicação, para a qual fez reportagens na Europa, nos Estados Unidos e na África.
Medeiros se notabilizou pelo registro de várias facetas da vida brasileira. Foi ele, por exemplo, quem fez os primeiros registros de contatos com os índios realizados pelos irmãos Villas-Boas no Xingu e na Serra do Roncador. Quando deixou a revista, o fotógrafo participou da fundação da agência fotográfica Image, pioneira do país.
Ele também teve uma participação importante no cinema nacional, tendo atuado como diretor de fotografia em produções como A falecida (1965), de Leon Hirszman, Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues e Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos. Foi premiado em vários festivais e chegou a dirigir um longa, Parceiros da aventura (1980).
Detentora de todo o acervo fotográfico de Medeiros - que tem um total de 20 mil negativos - o Instituto Moreira Salles começou a apresentar as preciosidades ao público. Além do livro Candomblé, a instituição inaugurou em sua sede, em São Paulo, uma exposição com registros dele feitos entre as décadas de 1940 e 1970.
Fonte: http://correio24horas.globo.com
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Livro do fotógrafo José Medeiros sobre o Candomblé é relançado
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Lavagem do Terreiro do Gantois homenageia Mãe Menininha
Lavagem do Terreiro do GantoSob o embalo de Filhos de Gandhy, foram celebrados neste domingo (15) os 115 anos do nascimento de mãe Menininha, com a Lavagem do Terreiro do Gantois. O cortejo saiu ás 11h da igreja de São Lázaro em direção ao terreiro, no Alto do Gantois.
A famosa ialorixá, que era consultada por ilustres como o escritor Jorge Amado, Dorival Caymmi, Getúlio Vargas e Antonio Carlos Magalhães, até sua morte em 1986, foi homenageada por filhos-de-orixá, seguidores e curiosos durante o percurso. O show de encerramento contou com show de Gerônimo, Robson do Samba Fama, Tote Gira e banda Eu Quero é Samba.
Fonte: http://correio24horas.globo.com
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Milhares de pessoas homenageiam Iemanjá e N.S. dos Navegantes
Na Bahia, os adeptos do candomblé reverenciam e presenteiam a Rainha do Mar. No Rio Grande do Sul, as homenagens dos devotos católicos são para Nossa Senhora dos Navegantes.
Fonte: http://video.globo.com
Fiéis homenageiam o dia de Iemanjá
Os devotos da umbanda e do candomblé homenagearam o dia de Iemanjá. A procissão para a rainha do mar existe há 13 anos e também atrai pessoas de outras religiões.
http://video.globo.com
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Com medo de sofrer preconceito, praticantes do candomblé não revelam a crença no emprego
RIO - O preconceito que deixa marcas profundas nas crianças do candomblé durante sua vida escolar acompanha os praticantes da religião no mercado de trabalho. Invisíveis nos processos de seleção, muitos se declaram "católicos" na hora de traçar seu perfil em entrevistas de emprego. Ou não declaram crença religiosa com medo da discriminação.
O técnico em telecomunicações João (nome fictício), de 30 anos, trabalha em uma grande empresa de telefonia celular. Ele é um pai-de-santo da nação ketu, mas, no trabalho, todos pensam que é católico.
- É triste porque você nunca pode dizer quem é. Tenho medo porque o preconceito é uma arma. Se descobrem que sou um sacerdote de religião afro, vão pensar que sou do mal - desabafa João.
Quem foi "descoberto" sabe o preço da revelação religiosa. A doméstica Sandra Maria da Cruz, de 36 anos, foi dispensada em março após cinco anos de trabalho na casa de uma família de italianos. No dia anterior à demissão, ela conta que o patrão a viu com suas roupas afro, obrigatória para quem cumpre sua "obrigação de sete anos", período de retiro espiritual, que corresponde à maturidade religiosa no candomblé.
- Meu patrão estava de férias, mas a casa é monitorada por câmeras da Itália. Ele já tinha me dito que "não gostava de macumba". Quando voltou para o Brasil, me viu com a roupa da minha obrigação de sete anos, e levou um susto. E me demitiu no dia seguinte. Depois disso, nem pude entrar no prédio - conta Sandra Maria, hoje a mãe-de-santo Mameto Monalumpanzo, que quer dizer "mulher de Xangô em nação Angola".
Sonhos adiados
Por causa do desemprego, ela teve que fechar sua casa, em Belford Roxo, onde sonha instalar seu barracão, no futuro. E deixar sua filha com a madrinha para morar em uma quitinete improvisada, em Campo Grande. Hoje, vive de bicos e sonha em reestruturar sua vida:
- Ninguém dá emprego a quem está de preceito no candomblé, só se pertencer à religião. É injusto porque somos iguais, trabalhamos igual a qualquer um e somos capazes - encerra.
Vítimas aprendem a denunciar
A história de Sandra é a mesma de tantas vítimas de preconceito religioso. Um roteiro comum que mistura mágoa, indignação e a total falta de informações sobre como lutar por seus direitos. Para Carlos Nicodemos, coordenador jurídico de atendimento às vítimas assistidas pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, nunca houve no Brasil estruturas preparadas para proteger e defender quem sofreu algum crime contra a liberdade de crença.
- Não há uma política de controle de violação de Direitos Humanos por intolerância religiosa. Agora, o poder público começa a pensar, mas por causa de um movimento criado pela sociedade civil - diz o advogado, organizador-executivo da ONG Projeto Legal.
Como denunciar
De acordo com a ouvidoria da secretaria estadual de Assistência Social, no segundo semestre de 2008, foram registradas 150 denúncias sobre preconceito religioso. O Disque Intolerância Religiosa da secretaria (2531-9757) dá informações às vítimas de intolerância e também presta assistência.
Há diversas entidades engajadas no combate à intolerância religiosa, entre elas o Centro Espírita Umbandista do Brasil e o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas.
Fonte: http://extra.globo.com
Ameaças contra fiéis e destruição de símbolos religiosos são a face mais cruel da intolerância
"Eu estava praticamente me prostituindo, cheguei a levar drogas na mochila. Hoje, sou um novo homem. O candomblé é tudo na minha vida". Nas memórias do jovem Carlos (nome fictício), de 20 anos, a adolescência é sinônimo de farras, promiscuidade e proximidade com o crime. Foi na religião que o rapaz conta ter encontrado equilíbrio. A escolha teve preço alto: a convivência com a família. Ao se iniciar, Carlos deixou o Complexo da Penha.
- Na Vila Cruzeiro, é uma gargalhada de pombagira e um tiro na cabeça. Roupas de santo, guias, tudo tem que ser muito escondido. Não posso morar lá - declara o jovem.
Os símbolos sagrados das religiões também são alvos da violência. Em junho, a depredação do centro umbandista Cruz de Oxalá, no Catete, causou comoção popular.
Quatro meses depois, a violência voltaria a se repetir. Dessa vez, a vítima foi Nádia Maria Correa Cursino, de 53 anos, a Mãe Nádia de Oyá.
Após 30 anos de vida religiosa, ela sentiu que estava na hora de abrir sua casa-de-santo. Alugou imóvel em Interlândia, Belford Roxo. O sonho durou apenas dois meses. Ao retornar de uma viagem, em outubro, foi até o terreiro. O cadeado havia sido trocado. Nádia só conseguiu entrar com a polícia. O cenário era desolador.
- Não sei dizer o que senti. Quebraram todos os meus santos, só ficaram meu Xangô, para que eu lutasse por Justiça, e a Iansã. Eram santos que estavam comigo a vida inteira. Tinha jóias de ouro em alguns assentamentos (esculturas e objetos sagrados reunidos em louvor aos orixás durante toda a vida religiosa). Nada foi devolvido. Eu chorei muito, muito - diz Nádia, que registrou o caso na 54 DP (Belford Roxo) e tem a primeira audiência marcada para março no Juizado Especial Criminal. Os agressores eram da família do proprietário.
- Não teria coragem de jogar uma Bíblia no lixo porque é sagrada para alguém. Onde nós vamos parar com essas agressões? - encerra.
Terreiros terão centro digital
De vítima da intolerância a palestrante no colégio. Ontem, o estudante Felipe Gonçalves Pereira, de 13 anos, foi recebido pelo secretário de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso. A melhor notícia dada pelo secretário ao menino será a realização de um seminário na Faetec para alunos e professores abordando assuntos como fé, cultura e tolerância religiosa.
- Será muito importante para que as pessoas aprendam e entendam a minha religião. Estou muito feliz e agora quero voltar à escola - diz Felipe, que cumpre os três meses de preceito do candomblé e foi discriminado ao mostrar um fio de conta escondido sob seu uniforme escolar.
Alexandre Cardoso também anunciou que serão instalados centros digitais em dez casas de santo. O objetivo é que os terreiros se tornem polos de produção de pesquisa sobre as religiões de matriz africana no Rio. O projeto foi discutido com o pedagogo Ivanir dos Santos, membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Para o secretário, a história de Felipe se tornou um símbolo da luta contra a discriminação.
- Todos devemos desculpas a Felipe. Mas ele será um exemplo da posição do governo contra a discriminação - encerra o secretário.
Pai-de-santo é expulso
Eram 19h30m do dia 7 de maio de 2002. Dona Anita, de 75 anos, lembra que passava a novela na televisão. Dois homens armados - um deles com uma metralhadora - invadem o terreiro dirigido por seu filho, em Campo Grande. Encostam arma no rosto do pai-de-santo. A família pede pelo amor de Deus pela vida do religioso. Toca o telefone celular do agressor. O grupo interrompe a ação, vai embora e dá ultimato: a família deve se mudar em 24 horas.
Novo rumo
A família vive até hoje em uma cidade do interior do país. Nunca mais voltou ao terreiro desde aquela noite. E nem ao Rio.
- É um dia muito triste, a gente quer esquecer. O carro estava do lado de fora para levar o corpo do meu filho - conta Dona Anita.
O motivo das ameaças e da invasão ao terreiro nunca foi esclarecido. Mas a briga do pai-de-santo com líderes de outras religiões na área - a resistência ao candomblé começava a se tornar forte em áreas da Zona Oeste - é vista como provável causa da intimidação.
- Foi um desespero, nem podemos pegar nossas coisas. Foram amigos que voltaram para recolher tudo - lamenta Dona Anita.
Fonte: http://extra.globo.com
Escola onde estudante sofreu discriminação religiosa pede desculpas ao aluno
RIO - A Faetec emitiu um comunicado oficial ontem pedindo desculpas publicamente ao aluno Felipe Gonçalves Pereira, de 13 anos. Em junho do ano passado, o adolescente foi expulso da sala de aula aos gritos de "filho do capeta" pela professora. Desde então, está em tratamento psicológico.
Assinado pela professora Maria Cristina Lacerda, vice-presidente educacional da Faetec, o documento afirma que a escola abrirá uma sindicância:
- Nós repudiamos qualquer tipo de preconceito. Incentivei a regulamentação do Núcleo de Estudos Étnico-Raciais e Ações Afirmativas. O fato ocorreu e a diretora tomou ações pedagógicas. Infelizmente, não tínhamos ciência que o caso não tinha sido resolvido.
Preconceito na aula
A secretária municipal de Educação, Claudia Costin, afirmou que, durante suas visitas às Coordenadorias Regionais de Educação tem deixado claro o princípio de uma escola pública laica, em que não há pregação e intolerância religiosa.
- A religiosidade deve entrar em sala de aula como cultura geral, numa aula de história, por exemplo, e não como pregação. É condenável que pais, alunos e professores tenham preconceito. O professor que discriminar o aluno sofrerá sindicância, se ele for a vítima de discriminação deve enfrentar a situação como uma oportunidade educacional para orientar um aluno que, geralmente, repete atitudes aprendidas dentro de casa. O pai deve ser advertido e, em casos mais graves, a autoridade policial deve ser chamada.
A secretária estadual de Assistência Social, Benedita da Silva, repudiou os atos, mas decidiu aguardar a sindicância. A Secretaria estadual de Educação explicou que o ensino religioso é oferecido apenas aos alunos que desejam ter a disciplina e que as aulas são voltadas para cada fé.
Após sete meses lutando e remoendo o preconceito contra seu filho, finalmente Enedi Andréa Gonçalves Ranito, de 35 anos, pôde tirar um pouco do peso da discriminação das costas.
- Estou sentindo que começa a ser feita Justiça. Não é fácil ver um filho ser agredido e não poder fazer nada. Sabia que a discriminação era crime, mas não entendia as leis, não sabia o que fazer. Agora, não estou mais me sentindo sozinha. Estou protegida - disse Andréa.
Felipe, finalmente, também sentiu-se aliviado:
- Agora, estão fazendo Justiça. Sinto pena e raiva da professora. Ainda não esqueci. Crianças têm que denunciar a intolerância, isso fará bem à nossa religião.
Nota contra a intolerância
Leia, na íntegra, o comunicado da Faetec, assinado pela professora Maria Cristina Lacerda, vice-presidente educacional da Faetec:
"A Faetec vem de público pedir desculpas ao aluno Felipe Gonçalves Pereira, familiares e a toda comunidade religiosa do Candomblé, pelo fato ocorrido nas dependências de uma de suas unidades escolares. Devemos esclarecer que esta gestão adota, desde 2007 quando assumiu, uma política de reconhecimento e respeito a todos os grupos étnicos, raciais e religiosos, repudiando qualquer forma de preconceito/discriminação. Inclusive em 8 de agosto de 2007, através da Resolução Conjunta SECT/FAETEC n 03 foi regulamentado o Núcleo de Estudos Étnicos Raciais e Ações Afirmativas (NEERA) com o objetivo, dentre outros, de desenvolver valores éticos e ações para combater o racismo, o preconceito e outras formas de discriminação e Violações de Direitos Humanos na rede Faetec. Quanto ao caso do aluno Felipe Gonçalves Pereira, ações pedagógicas foram tomadas e uma sindicância irá apurar administrativamente a questão".
Fonte: http://extra.globo.com
Demonização de figuras do candomblé foi construída desde a chegada do colonizador português à Africa
RIO - A demonização de figuras do candomblé, especialmente de Exu, já se tornou um traço marcante da sociedade brasileira. Essa idéia foi construída desde a chegada do colonizador português à África. Veja a terceira parte da entrevista com o pesquisador Reginaldo Prandi:
Por que a figura de Exu foi demonizada no Brasil?
A demonização começa na África com a chegadas dos europeus. O exu já na África sofre grande sincretismo. Como é o orixá mensageiro do panteão foi sincretizado com outra entidade Elegbara, o mensageiro do panteão dos povos fon, que deram origem ao Jeje brasileiro. Elegbara é o deus com funções de reprodução. Logo, seu culto tem imagens fálico, falos eretos. Todas as religiões panteístas têm divindades importantes ligadas à reprodução humana e à fertilidade do solo, a fartura dos alimentos. Essas funções de Elegbara foram passadas para Exu.
E quando começa a associação de Exu ao diabo católico?
Quando chegaram os primeiros colonizadores europeus aos territórios africanos, se depararam com o culto de orixás e voduns (divindades fons). Esses missionários cristãos tinham objetivos de "cristianizar o mundo selvagem". Quando viram altares de forma fálica, atribuíram a algo demoníaco. O catolicismo é uma religião que aboliu a sexualidade do horizonte humano, de profunda repressão. Exu recebeu a pecha de diabo e não se livrou.
Qual a característica de Exu no candomblé?
No candomblé, não há idéia de bem e mal como coisa inconciliável. Quem faz essa oposição é o mundo cristão. Para o afro, o bem e mal são faces da mesma moeda e estão presentes em todas as coisas. O Exu deve ser pago pelo seu trabalho como todo deus mensageiro em qualquer tradição religiosa. Quando qualquer orixá é evocado, antes se evoca Exu, porque sem ele não há a comunicação com as divindades. ele antes em qualquer lugar, se exu não participa não há comunicação.
Existiam outros deuses com essa função em outras culturas?
Lar, palavra que hoje significa domicílio, casa, é um antigo deus cultuado por povos da peninsula itálica. As pessoas tinham em casa altares com falos eretos. Eram tratados com profundo respeito porque a reprodução e a sexualidade são consideradas fontes da vida. Esse deus que protegia, presidia a sexualidade que permitia a reprodução e o fluxo de alimentos através da fertilidade da terra é responsável pela sobrevivência humana.
Há outros aspectos demonizados em Exu?
Para o mundo católico, Exu trabalhar por dinheiro é uma coisa horrível e própria do mal. O sincretismo foi juntando características entre os santos cristãos e os deuses afro. Iemanjá, a grande mãe por excelência, foi associada a Nossa Senhora. Oxalá a Jesus Cristo. E sucessivamente. Faltava um diabo entre os orixás e o candidato por excelência foi Exu.
Outras culturas que receberam povos afro procederam assim?
Em Cuba, o Exu é chamado de Eleguá, vem de Elegbara, e foi sincretizado com o Menino Jesus. Um sincretismo completamente oposto. Tanto que em Cuba muita gente é filha de Eleguá, enquanto no Brasil é raro ter filho de Exu. As pessoas morrem de medo de Exu. Muita gente que é filha de Ogum, na verdade, é filha de Exu. Em Cuba, a função da sexualidade é atribuída a Xangô que tem símbolos fálicos, como o taco de baseball. Xangô quando dança, fica com o taco nas pernas como se fosse falo ereto.
E a figura da pombagira?
A mentalidade católica acredita que a mulher é a grande pecadora, a fonte de pecado desde Eva. Tinha que associar um pouco a figura feminina a Exu. A pombagira acabou sendo a representação mais explícita da sexualidade proibida, perigosa e ao mesmo tempo muito desejada por todos. É uma grande construção cultural e ponto de conflito e perseguição na oposição das religiões evangélicas. São sempre figuras de bordel, associadas a vida desregrada.
Fonte: http://extra.globo.com
Pesquisador das religiões afro no Brasil explica a raiz histórica dos preconceitos contra a umbanda e o candomblé
RIO - Uma das maiores autoridades no estudo das religiões afro no País, Reginaldo Prandi, autor do livro "Mitologia dos orixás", explica a raiz histórica dos preconceitos contra a umbanda e o candomblé e alerta: há um projeto de aniquilação das tradições religionas africanas no Brasil. E elas correm risco de serem extintas. Confira alguns trechos da entrevista:
Como o senhor interpreta a imagem do candomblé na sociedade hoje?
O candomblé tem grande visibilidade no turismo, especialmente na Bahia e sua presença na música popular brasileira e em obras de artistas como Dorival Caymmi e Jorge Amado é muito grande. Mas também tem um aspecto cultural negativo de grande popularidade.
Qual é esse aspecto negativo?
É essa imagem de feitiço, coisa mal-feita e a relação com o diabo, que faz parte do imaginário. Quando as pessoas se referem a algo muito ruim, usam as palavras macumba, despacho, feitiço. É uma realidade superficial e distante da realidade mítica e ritualística de um terreiro.
Por que acontecem tantas disputas religiosas?
Toda religião é uma fonte de verdade e fica muito centrada em si mesma. Se você tem a sua verdade, a do outro está errada. Isso vale de católicos para evangélicos, de evangélicos para afro e até dentro do próprio candomblé. Além disso, algumas religiões tornam a conversão como parte da missão religiosa. Para ser um bom religioso, você tem que trazer para o seu credo e a sua verdade os outros credos que estão todos errados. Religião é uma disputa, por isso há tantas guerras em nome da religião.
Mas algumas religiões são mais tolerantes do que outras...
O candomblé, por exemplo, é religião politeísta (que tem um panteão com vários deuses), como a grega e romana. Não há falta de mérito nisso. Existe a idéia de Deus supremo, criador, mas na maioria dos eventos do dia-a-dia, ele não interfere. Quem cuida do emprego é Xangô, da fertilidade, Oxum, e sucessivamente. As religiões politeístas têm facilidade de assimilar deuses estrangeiros e os trata em posição de igualdade. Embora seja extremamente próprio de cada religião defender a sua verdade como a única e combater a fé alheia, gerando uma grande possibilidade de conflitos e perseguições, o candomblé tem outra prática de aceitar o outro com mais facilidade. Prova disso é o sincretismo. Oxalá, por exemplo, foi sincretizado com Jesus Cristo.
Como o senhor vê o avanço da intolerância religiosa no Brasil?
Como cada denominação das religiões evangélicas se vê como grande verdade levada aos outros pela conversão, o proselitismo é muito grande. O alvo preferencial são os afro-brasileiros. Os católicos também são alvo, mas não se pode dizer que são demoníacos porque são igualmente cristãos. A tolerância não faz parte do universo deles, que não têm outra resposta do afro. O afro pensa que a religião de todo mundo tem algo bom e interessante.
Qual sua visão sobre o futuro desses conflitos religiosos?
Mais de 90% do avanço pentecostal se faz em cima da religião católica e pequena parte em cima dos afro. Mas como são pequenininhos, o pouco que lhes é tirado representa muito. A umbanda está diminuindo de tamanho. Uma quadrilha também pode se associar a um pastor e fechar todos os terreiros. Há favelas em que os terreiros foram extirpados. O Brasil faz de conta que não está vendo. Isso se agrava porque o presidente da República tem relações de simpatia com algumas das igrejas mais agressivas. A umbanda e candomblé não são um parceiro político interessante. Quando entra nessa história é vítima. Já faz 20 anos que a umbanda vem diminuindo e cada vez mais por perseguição evangélica. Se esse processo não é estancado, o que vai acontecer?
Fonte: http://extra.globo.com
Padre e pai-de-santo de Belford Roxo provam que a convivência entra religiões não é sonho impossível
RIO - Quando assumiu a Igreja de São Lázaro, em São João de Meriti, o padre José Carlos Francisco, de 57 anos, ficou impressionado com o estado da imagem do santo. Estava deformada. Na crença popular, o problema era "quizila", chateação de São Lázaro por seu templo ter ficado fechado. O padre não teve dúvidas. Ouviu o conselho de uma amiga mãe-de-santo.
- Ela me mandou limpar a imagem com anil, lavar toda a igreja com a água e depois ainda pôr água com flor de laranja. Anil ia tirar a quizila de Omolu, que é sincretizado com São Lázaro. Lavamos tudo e a imagem ficou perfeita, novinha - conta o padre.
Religião que une
Amigo das nações de candomblé, o padre José é um exemplo de como a religião pode unir, em vez de dividir pessoas de diferentes credos. Há sete anos, ele também reza missas e ministra os sacramentos na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Belford Roxo.
Construída pelo pai-de-santo Zezito de Oxum, o templo católico fica em frente ao terreiro "Culto Afro Corte Real da Nação Ijexá". Pai Zezito liga pessoalmente para o padre quando tem criança para batizar:
- Graças a Deus, o padre José é uma pessoa muito boa. A gente sempre conversa pelo telefone, fala sobre as missas, ele sempre atende a nossa comunidade.
O padre devolve os elogios do amigo:
- O Zezito é um pai espiritual para mim. Ele sempre me dá muitas orientações. Estou conseguindo reformar a igreja. Com a graça de Deus e dos orixás.
Caridade além das diferenças
Pai Zezito mantém uma escola gratuita para crianças de famílias muito carentes da região. A professora Luana Carvalho, de 31 anos, admira o trabalho social promovido pelo religioso, que também distribui cestas básicas para famílias.
- Nós não misturamos a crença com o ensino. Sou católica e nem entendo nada sobre o candomblé. Às vezes, a criança não comeu nada em casa. Ele dá bolo, merenda todos os dias - diz Luana.
Severo, Zezito exige que os estudantes aprendam a cantar o Hino Nacional e saibam rezar o Pai Nosso.
- É uma oração para gente de todas as religiões. Hoje, em dia, as crianças não sabem rezar, por isso que o mundo está como está - diz o religioso.
Tolerância
Localizado no terreiro, o Poço de Oxum de Pai Zezito já forneceu água para muitos vizinhos. Respeitado, o pai-de-santo, que abriu sua casa aos 14 anos, ainda em Salvador, ri quando lhe perguntam se sofreu algum tipo de intolerância:
- Eles conhecem a pedra que bolem. Lagartixa sabe onde bate a cabeça.
Padre José também não discrimina ninguém na hora de ser chamado para fazer um batizado ou ministrar qualquer outro sacramento. Sempre envolvido em trabalhos sociais com comunidades carentes, o sacerdote já realizou casamento em terreiro de candomblé.
- Gosto de rezar missa no terreiro. Aqui, não tem hipocrisia, gente olhando um a roupa do outro. É fé de verdade, como deve ser - ensina o padre.
Fonte: http://extra.globo.com