- No início de uma refeição no Arabia, de São Paulo, um dos mais autênticos restaurantes libaneses do Brasil, o arranjador, compositor e cantor baiano Tom Zé mordeu um falafel e exclamou: "Mas isto é acarajé!" A dona e chef da casa, Leila Mohamed Youssef Kuczynski, adorou o desabafo. Já acreditava que o falafel - bolinho frito, temperado com especiarias, inventado no Oriente Médio, cuja massa ela prepara misturando fava seca e grão-de-bico - fosse o pai do acarajé baiano. Mas a espontaneidade de Tom Zé, grande apreciador do quitute típico das ruas de Salvador, avalizou sua tese. A convicção de Leila se baseia na semelhança das receitas. Em ambas, os grãos transformados em massa são previamente deixados de molho, moídos, acrescentados crus à preparação e só cozinham na fritura. A diferença do acarajé é levar feijão-fradinho.
Jamais haverá unanimidade sobre o local exato da invenção do falafel, que os árabes consomem como um dos mezzés (os variados antepastos de sua apetitosa culinária) ou na condição de lanche, dentro do pão árabe, com tomate, cebola, pepino, salsinha e tahine (pasta de gergelim). No ano passado, o presidente da Associação das Indústrias do Líbano, Fadi Abboud, provocou discussão mundial ao reivindicar para seu povo a propriedade intelectual da receita, acusando Israel, onde ela é igualmente popular, de se apropriar de uma comida típica do seu país. "Não basta roubarem nossas terras, fazem o mesmo com a nossa cozinha", disparou ele. Abboud assegurou que só o Líbano tem o direito de preparar o falafel. Os árabes continuam a ser de fato os mais conhecidos adeptos da especialidade. Mas, hoje, a questão do lugar onde ela nasceu se reduz a detalhe histórico. O bolinho feito só de fava ou de grão-de-bico, ou combinando os dois grãos, já caiu no domínio público mundial, como a pizza napolitana, o couscous marroquino e o pão de queijo mineiro.
Um grupo de historiadores gastronômicos, porém, tende a acreditar que ele veio à luz no Egito, onde o elaboram desde a época bíblica utilizando apenas fava. A população o chama de ta?miyya, exceto a da cidade de Alexandria, que o denomina falafel. Segundo Leila Kuczynski, é palavra derivada de uma raiz árabe e significa "algo temperado" ou "algo apimentado". Dali se espalhou por todo o Oriente Médio, região sem uma definição precisa de fronteiras, situada entre o nordeste da África, a Península do Sinai e parte da Ásia. Abrange, entre outros países, o Egito, Iêmen, Israel, Jordânia, Líbano, Palestina e Síria. Aliás, a respeitada enciclopédia The Oxford Companion To Food (Oxford University Press, Nova York, 1999), sublinha que os coptas, cristãos ortodoxos do Egito, reclamam a paternidade do falafel. Eles o saboreiam nos dias de jejum e abstinência religiosa de carne. Afirmam que a Igreja Ortodoxa Copta foi instalada no Egito pelo apóstolo São Marcos, em meados do século 1º, espalhando-se pela Etiópia e Eritreia, Sudão e atual território de Israel. Entretanto, outros historiadores sustentam que o falafel nasceu no Líbano, cuja população também consome bastante fava. Enfim, há ainda estudiosos que localizam seu nascimento no Iêmen, na Síria e, sobretudo, na Palestina, onde a predileção pela leguminosa é enorme. Nesse ponto, a discussão pega fogo. O Estado de Israel foi criado na Palestina, em 1948. Resta saber se o entusiasmo dos judeus pelo falafel vem dos tempos bíblicos ou isso aconteceu mais recentemente. Segundo o jornalista Jodi Kantor, em artigo publicado no The New York Times (A History of the Mideast In the Humble Chickpea, 10/7/2002), a cozinha israelense atual recebeu influência do gosto tradicional da região.
A receita do bolinho acompanhou as invasões dos árabes, inclusive as que eles empreenderam à África Ocidental, na qual estiveram centenas de vezes entre os séculos 7º e 19. Agora, encontram-se na região, entre outros países, Camarões, Daomé, Nigéria e Togo. Ali, segundo se diz, o falafel ingressou na culinária de algumas etnias, a começar pela dos iorubás. O que o nosso acarajé tem a ver com isso? Simplesmente, eram iorubás muitos contingentes de negros trazidos como escravos para a Bahia. Eles nos transmitiram o candomblé e, reforçando a dedução de Leila Kuczynski, também o filho do falafel. Com o ingrediente básico já trocado pelo feijão fradinho, chamavam-no akkrá. Até hoje é conhecido por esse nome em Camarões, conforme o livro The Essential African Cookbook (Anness Publishing, Londres, 2001), da chef e pesquisadora guiana Rosamund Grant. No Brasil, o bolinho chegou batizado de acará ou acarajé (acará, bola de fogo; jé, comer), com função sagrada no candomblé. Para o generoso e sensual rei Xangô, comandante dos trovões e da justiça, oferecem-se os maiores, enquanto os pequenos e redondos se destinam a Iansã, uma de suas mulheres, guerreira incansável, orixá dos ventos e das tempestades. Axé pelo legado precioso, bravo e sofrido povo iorubá!
Fonte: Estadão
quinta-feira, 12 de março de 2009
O pai do acarajé baiano
domingo, 8 de março de 2009
Ialorixás na luta frente à violência contra a mulher
Olídia Maria da Conceição Lyra é o nome de nascimento de Mãe Torody de Ogum, uma verdadeira guerreira na luta frente à violência contra a mulher. Ialorixá há 22 anos Mãe Torody é uma das organizadoras de uma rede de mulheres negras em São João de Meriti, na baixada Fluminense (RJ) e representou a América do Sul no evento realizado no Panamá pelo comitê Religiões pela Paz sobre o tema da saúde para a mulher.
"São duas redes, uma é a rede Nacional Afro Brasileira de Saúde que atua no serviço de auxílio à saúde da mulher. O caso mais grave atualmente é a feminização da AIDS. Há um número crescente de mulheres com o vírus HIV e com idade acima de 50 anos. Dizem que a causa é o viagra e o forró... A outra rede é a Iyá Àgbá, um grupo de mulheres negras frente à violência contra a mulher. São 26 mulheres atuando em 12 comunidades" - explica Mãe Torody.
O trabalho desenvolvido pela rede Iyá Àgbá, formada por ialorixás, atendeu a 160 mulheres em 2008. A rede tem como objetivo fornecer cursos de geração de renda, capacitando as mulheres para a autonomia e a cidadania e também informando sobre a Lei Maria da Penha, que pune com prisão a agressão e violência contra a mulher. Vale lembrar que antes do presidente Lula sancionar a Lei Maria da Penha a violência contra a mulher era crime "leve", o agressor era obrigado a pagar cestas básicas.
"Temos experiências positivas e que nos incentivam a continuar trabalhando. Uma vizinha conseguiu se libertar do marido que a acorrentava dentro de casa. Era um horror, ele trazia lixo para dentro de casa. Ela participou de um curso de pão e foi adquirindo dignidade e força para retomar a sua vida. Foi à polícia e denunciou" - comenta a ialorixá.
A rede Iyá Àgbá tem o apoio do Criola, instituição formada por mulheres negras que ajudou na capacitação e trazendo investidores para os projetos sociais.
Mãe Torody atende a todas, não importa qual religião. "A vizinha que se libertou do marido agressor não é da nossa comunidade, é de outra religião". Segundo informações da ialorixá, está crescendo o número de casos de violência contra as crianças. "Tivemos recentemente um caso de uma menina de 9 anos", diz Mãe Torody.
O Ile Asé Ala Koro Wo, onde atende Mãe Torody de Ogum, fica na rua José Vicente de Souza 42, bairro Venda Velha, São João de Meriti, seu telefone é 2651-4963. Abaixo a relação dos terreiros e das ialorixás da rede Iyá Àgbá.
Ile Omi Ojuarô - Iyá Beata d'Yemonjá - Tel.: 2886-3354
Ile Omolu e Oxum - Iyá Meninazinha d'Oxum -Tel.:8544-5217
Ile Iyá Topé e Xangô Alafim - Iyá Amélia d'Oxum - Tel.: 2757-3488
Ile Axé Opó Afonjá - Iyá Regina Lúcia d'Yemonjá - Tel.: 2751-0003
Ile Iyá Bori Messã - Iyá Vânia d'Iansã - Tel.: 8147-2922
Ile Axé Iyá Manjele Ô - Iyá Tânia d'Yemonjá - Tel.: 9158-7372
Ile Ase Ala Koro Wo - Iyá Torody d'Ogum - Tel.: 2651-4963
Usaba de Ukamba de Dandalunda - Mametu Alukenu Jorgina - Tel.: 9976-0721
Ile Axé Ily - Iyá Marilene d'Oxossi - Tel.: 2699-2256
Ile Axé Oba Ganju - Iyá Angélica d'Xangô - Tel.: 9521-7178
Ile Axé Jobá Ofa To Ogum Ode Tu - Iyá Lú d'Ogum -Tel.: 2769-1730
Ile Axé Ayaba Omi Dun - Iyá Lúcia d'Oxum - Tel.: 8677-9357
Fonte: http://www.sidneyrezende.com