Texto: Gilfrancisco (Jornalista, pesquisador e professor universitário)
De grande valor prático para a vida diária, essa antiga religião dos escravos se contrapõe aos sistemas religiosos tradicionais, como o cristianismo e o budismo. E sanciona identidades, porque todo indivíduo tem um Orixá a quem pertence, que define o comportamento e os desejos interiores de cada pessoa, sem fazer distinção entre o bem e o mal. Em cada um de nós, pode haver o lado maternal de Oxum, a implicância de Nana ou a combatividade de Ogun. Durante o ano todo acontecem festas de Candomblé na Bahia, cada Casa, cada nação (Keto ou Nagô, Ijexá, angola, Gêge, Cabinda, Congo etc.), cada grupo tem o seu ciclo. E na mansidão e quietude do Orun, que estão em constante sintonia com o Ayé, confirmando o elo entre nós e os que se foram.
Candomblé é uma palavra de origem negro-africana que designa reunião de adeptos de culto, também conhecida em outras partes da América Latina, onde houve escravidão negra. Estas reuniões se fazem em locais preparados para tais cerimônias, via de regra são realizadas em barracões rústicos e erguidas de acordo com certos preceitos: os cânticos são em geral em língua nagô, raras em português, e refletem o linguajar do povo.
Ao som de cânticos e danças, os atabaques constituem a base da música de percussão nos candomblés, é mais do que um culto africano, faz parte de um dogma, de um culto e de uma moral, tendo seu clero, onde reúne os elementos construtivos de uma religião. Quando os escravos africanos foram trazidos para o Brasil, a fim de trabalharem nas plantações, as autoridades portuguesas ordenaram que fossem batizados no prazo de seis meses, mas os negros continuaram a adorar os seus ídolos. Os colonizadores não conseguiram faze-los cristãos, pois eles agarravam-se às suas crenças e à sua fé quando eram libertados, levavam consigo a sua religião primitiva. Finalmente catequizados de maneira vaga, eram batizados, mas, no entanto nada compreendiam dessa religião que lhes ensinavam à força, e que confundia seus espíritos, pois o catolicismo se transformava desde então, num meio de disfarce de suas crenças tradicionais.
Na realidade o santo não era adorado, mas sim o Orixá correspondente. Tudo não passava de uma fachada para esconder um ritual secreto. A escravidão desenvolveu no negro um complexo de inferioridade, pois a religião predominante do branco fazia para de uma cultura superior, ou seja: de senhores. Enquanto que o negro elevava sua crença de um plano inferior a um plano superior, tinha o sincretismo como um fenômeno de ascensão sempre desejado mais ou menos em surdina. Por isso que os negros africanos limitavam-se a justapor os santos católicos aos deuses de suas crenças, considerando-os como de categoria igual, se bem que perfeitamente distintos.
O candomblé tem as suas crenças, suas divindades, seus dignitários, seus fiéis, suas cerimônias de ritos muito complicados, seus lugares de culto, seus altares e seus objetos sagrados. Os seus Orixás (divindades) personificam um fenômeno natural (tempestade, trovão, arco-íris, doença, etc.), uma atividade humana (caça, colheita, etc.) ou sentimentos (amizade, fidelidade, etc.)
O rei dessas divindades é Olorum, pai dos deuses, criador invisível e soberano, transmitiu seus poderes aos Orixás que dominam o mundo em seu nome, mas são um pouco maus e convêm evitar-lhes as cóleras. Olorum tem dois filhos, Obatalá (céu) e Odudua (terra), sendo rodeado por uma corte de divindades que são os Orixás.
É impossível fixar sobre a data precisa em que começou a introdução de escravos negros no Brasil, pois por quase meio século antes do seu descobrimento, datava o comércio de escravos africanos na Europa, tendo Portugal como sede. Sendo a escravidão negra no Brasil contemporânea da sua colonização e seu grande tráfico iniciou-se pouco menos de uns 50 anos após a descoberta do Brasil. Esses migrantes involuntários trouxeram suas concepções de mundo, filosofia e religião: jejes, marrins, iorubas, fons, angolas, hausás, fantis, ashautis, malês, fulas, congos etc. São apenas algumas das raças mais representativas, tendo cada qual suas crenças. Mas aqui, independente de cultura ou etnia, foram misturados segundo o interesse dos mercadores traficantes, espalhando-se pouco a pouco pelas senzalas da Bahia, Pernambuco, Minas gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e depois nos centros urbanos.
Durante mais de três séculos, homens, mulheres e crianças da raça negra oriundas do continente africano, foram trazidos como escravos. Até o advento da lei Eusébio de Queiroz, promulgada em 4 de setembro de 1850 e mesmo alguns anos depois, integrantes de várias nações vinham para o Brasil, trazendo consigo toda uma tradição cultural e religiosa que muito influenciou na formação do povo brasileiro.
Existem em circulação no Brasil diversos trabalhos publicados acerca da religiosidade africana, mas essas publicações, entretanto são espécies de guias, para os que professam o Candomblé, a Pajelança e outros ramos da seita espiritual, sem, contudo, oferecer aos leitores uma visão folclórica do que ocorre em função do candomblé. O etnólogo baiano Édison Carneiro, autor de vários estudos sobre o tema, alguns como “Religiões Negras” (1936); Candomblés da Bahia (1948); Antologia do negro brasileiro (1950) é até o momento a maior autoridade no assunto.
Confundem muitos os autores a origem destes negros, ora os classificam por tribos, ora por nomes genéticos, ora por simples portos de procedência. A Circular do Ministério da Fazenda nº 29 de 13 de maio de 1891, assinada pelo então ministro Rui Barbosa, determinou a incineração de todos os documentos que diziam respeito à escravidão negra no Brasil, impedindo assim que estudiosos e pesquisadores saibam a verdadeira origem do negro brasileiro. Por causa da inexistência de documentos, calcula os historiadores: Visconde de Taunay que foram trazidos para o Brasil 3.600.000, já Roberto Simonsen calcula 3.300.000 e Maurício Goular entre 3.500.000 a 3.600.000, no período de 1538/1850.
Os dignitários dos candomblés gêge-nagô (pequenas nações negras da Costa dos Escravos, do grupo Iorube) e congo-angola reivindicam com orgulho a sua ascendência africana, gabam a pureza das suas tradições e desprezam os candomblés “dos caboclos”, considerando-os abomináveis misturas e acusando-os de mancharem os veneráveis ritos com práticas indígenas.
As cerimônias mais importantes são acompanhadas de danças, de melopéias e de oferendas de animais: carneiros, cabras, bodes e galinhas.
Entre cerimônias realizam-se no barracão, onde muitas vezes é ornamentada com grinaldas e letreiros: Viva Oula ou Viva Xangô. Os Orixás têm o direito de serem venerados todas as semanas e nos dias determinados pela tradição, os filhos-de-santo apresentam iguarias aos seus feitiços, enchem as quartinhas com água fresca para o banho, e levam os colares de pérolas do santo e as suas cores.
O sincretismo é um fenômeno antigo, pois desde o início da colonização já o encontramos no quilombo dos Palmares, tanto nos gestos ou ritos como na semelhança dos deuses africanos e dos santos. Mas também um fenômeno geral em toda América católica, encontramo-lo tanto em Cuba como no Haiti, neste caso pode ser Orixá, ao mesmo tempo ser santo, e vice-versa. Aqui eles se unem conjuntamente na mística africana e na mística católica.
A religião afro-descendente tende em algumas cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, devido à influência da desorganização urbana, tomar cada vez mais um aspecto de magia. O negro em contato com o catolicismo, que possuía preces fortes endereçadas a santos para evitar certas moléstias ou acidentes, que multiplicava nas capelas os ex-votos, como sinal de milagre, diante disso, o negro não podia deixar de reconhecer a existência de uma força inegável na religião de seus senhores brancos.
Portanto, o sincretismo assume formas diferentes segundo a natureza das representações coletivas dos povos assimilados, não sendo suas leis em gerais, mas variáveis segundo as culturas em contato. A festa começa pela madrugada com a matança (sacrifício de animais) em holocausto aos Orixás, sendo esta cerimônia de caráter privado, não sendo permitida a presença de pessoas estranhas que não sejam iniciadas dentro da seita, cabendo as Iabás (cozinheiras) prepararem toda a carne dos animais sacrificados. Tirando os Erês e colocando tudo devidamente pronto, com um preparo especial, juntamente com as outras comidas secas aos respectivos pés (assentamento), a comida correspondente a cada Orixá.
Somente no final da tarde antes do crepúsculo é que começa a cerimônia pública, que acontece no barracão todo enfeitado com folhas de coqueiro e bandeirolas de papel. No centro do terreiro encontra o Padé de Exu, oferenda que se dá ao mensageiro dos Orixás, mediador entre os seres mortais e os deuses. Pois, em qualquer obrigação o primeiro a ser tratado é Exu, para a festa decorrer em paz, harmonia e seus desígnios sejam cumpridos, e ele possa tomar conta da porteira e não deixar entrar os espíritos maus, que possam vir a perturbar o bom andamento da festa.
É d’Oxum
Gerômino/Vevé Calasans
Nessa cidade todo mundo é D’Oxum
Homem-menino, menina-mulher
Toda essa gente irradia magia
Presente na água doce
Presente na água salgada
E toda cidade brilha
Seja tenente ou filho de pescador
Ou importante desembargador
Se der presente, é tudo uma coisa só
A força que mora n’água
Não faz distinção de cor
E toda a cidade é d’Oxum
Eu vou navegar nas ondas do mar
Eu vou navegar
Com Oxum
É d’Oxum
(Gerônimo, LP Mensageiro da Alegria – Nova República, 1985)
Fonte:http://www.jornaldacidade.net
quinta-feira, 31 de julho de 2008
Candomblé da Bahia, religiosidade do baiano
sábado, 26 de julho de 2008
Dama do candomblé
Desde criança, ela demonstrou uma forte personalidade e se construiu como mulher fora de muitos padrões seguidos e impostos a pessoas que tinham a sua condição étnica, sexual e social. Impressionava a todos com a força de suas decisões, determinação e, de certa forma, com as transgressões que cometeu ao longo de sua vida, em nome de muitos avanços que gerou para si e para sua família consangüínea e espiritual. Ela nasceu na Cidade da Bahia, em 1923, e já em finais de 1938, aos 15 anos, chamou a atenção da pesquisadora estadunidense Ruth Landes, que viu na jovem uma outra possibilidade de exercício de feminilidade e de independência em relação ao forte domínio exercido pelos homens desta nossa terra naquelas épocas.
A sua trajetória de vida a fez morar por 18 anos no Rio de Janeiro, onde teve seus três filhos, só retornando a viver no Gantois no começo dos anos 1960, quando começou ao lado da mãe Menininha, então já prestigiosa iyalorixá entre nós, a cuidar liturgicamente do complexo universo religioso daquele candomblé. Além de ebomy e braço direito da mãe, obrigou-se a estudar fazendo o curso técnico de obstetriz, na Faculdade de Medicina da Bahia. Trabalhou também como bancária, e foi, de fato, como havia previsto Ruth Landes em seu livro A cidade das mulheres, um exemplo feminino de independência e rigor litúrgico que deu continuidade aos ensinamentos ancestrais de D. Maria Júlia da Conceição Nazareth, sua tataravó e fundadora do Terreiro do Gantois.
Mãe Cleuza corporificou a imagem das mulheres altivas e determinadas, circunscritas na esfera das religiões afro-brasileiras, inteligentes e políticas, estudadas, que levaram para o sacerdócio suas experiências como cidadãs, impondo-se como mulheres negras do candomblé, dialógicas e proponentes de outras práticas que negassem o forte racismo existente em Salvador e em todo o Brasil. Ela se representa assim ao lado da grande Stella de Oxóssi, e de sua própria irmã caçula, mãe Carmem de Oxaguian, sucessora de Cleuza e atual iyalorixá do Gantois.
Neste mês de julho, precisamente no último domingo (amanhã), o Gantois festeja a orixá Nanã, senhora dos mistérios da vida e da morte, dos lamaçais, orixá que regia a cabeça de Cleuza, e ela como uma das damas soberanas daquela casa, na figura da sua orixá, também é relembrada e saudada por sua comunidade religiosa. Gente-de-santo não morre, sublima-se.
Fonte: A Tarde On Line
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Umbandistas conquistam ensino religioso nas escolas do DF
A Comissão Conjunta Permanente, criada na quarta-feira (9), é responsável pela formulação de propostas sobre metodologia, programa, material didático e formação de educadores para a disciplina de Ensino Religioso nas escolas do Distrito Federal. A matrícula é facultativa, estando dispensados os que não se interessarem pelo aprendizado, conforme Artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, dada pela Lei nº 9.475/97. A proposta é defendida pelo Conselho Nacional da Umbanda do Brasil (Conub).
O Conub
Formulando propostas e participando de debates de interesse nacional, o conselho se firmou como referência na elaboração de políticas públicas. Apenas nesse ano, o Conub conquistou, junto à Iniciativa das Religiões Unidas, a Universidade da Paz e União Planetária, entre outros, a construção de um Centro de Referência em Tolerância Religiosa.
É baseado na Constituição de 1988 que o Conub defende a liberdade de expressão e repudia atos que lembrem ou incitem o retorno de um regime militarista de criminalização dos movimentos políticos e sociais, como a decisão do Ministério Público gaúcho de dar fim ao MST.
“Consideramos exagerada a posição do promotor gaúcho, Gilberto Thums, de acabar com o MST. Sua decisão reflete um pensamento elitista de eliminação de focos de resistência ao latifúndio e à concentração de terras em nosso país. A defesa clara do cerceamento do direito de ir e vir e da liberdade de expressão já foi imposta em outros momentos da nossa história recente, e é contra a volta desse tipo de manifestação que lutamos”, afirmou Iberê Lopes, membro do Conub, presente à audiência pública sobre criminalização e judicialização dos movimentos sociais – promovida no último dia 9, pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
“Mas a questão do Conselho Nacional da Umbanda, vai além da simples negação de táticas retrogradas e que não combinam com o Estado Democrático de Direito que vivemos, é a luta por soberania e a defesa das liberdades coletivas e individuais na expressão da pluralidade dos seus pensamentos e culturas”, explica Iberê.
Religião e mídia
Entre as reivindicações do conselho, está a inserção e defesa da difusão da cultura brasileira e do movimento umbandista (afro-brasileiro) nos grandes veículos de comunicação.
“Claro que queremos a difusão da cultura de umbanda na TV, rádio, internet e revistas, mas não para deturpá-la ou menosprezá-la, como tem sido feito. Queremos o respeito à diversidade e as matrizes étnicas e filo-religiosas que compõe o belo mosaico brasileiro, aceitando opiniões e atitudes divergentes, desde que essas não representem cerceamento, ofensa ou agressão à liberdade de outros”, defende Iberê.
“A Umbanda tem o direito de manifestar-se livremente quando somos agredidos por policiais e seguimentos filo-religiosos em nossas casas, terreiros e comunidades, sendo castrados no que temos de mais precioso: a cultura umbandista. Não podemos aceitar no Brasil de hoje essas atitudes”, conclui.
O Conub também apóia o movimento pró-conferência democrática de comunicação e é aliado de diversos atores socais, como a UNE, o Movimento Negro Unificado, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Conselho Federal de Psicologia, entre outros.
Da redação
Fonte:http://www.vermelho.org.br